Este ano nos trouxe o inusitado. Notícias contraditórias, falta de resoluções e um completo vácuo entre o presente e o futuro.
Dentro desse “pasticcio” (bagunça), muitas emoções surgem e ressurgem. Às vezes de maneira sutil e silenciosa e às vezes de maneira avassaladora.
No texto de hoje, vamos discutir brevemente a biologia das emoções e de onde surge o desconforto frente ao imprevisto.
Por que o imprevisto causa desconforto?
Cada pessoa reage de maneira diferente a uma mesma situação e um indivíduo pode ter reações díspares e não uniformes.
Ao longo de sua história, o ser humano aprendeu a se adaptar.
Adaptar significa sobreviver às dificuldades que a natureza impõe. Assim, transformamos a natureza para podermos construir esse confortável mundo em que vivemos hoje.
Sobreviver também exige desenvolver mecanismos de defesa. A partir das necessidades de defesa e adaptação o ser humano aprendeu a alterar o ambiente para sua vantagem de sobrevivência.
Onde entra a biologia?
Lembra-se daquele par simpático e parassimpático das aulas de biologia na escola?
Caso não se recorde, eles fazem parte do sistema nervoso central autônomo.
Autônomo porque não depende da nossa vontade para funcionar. Possui total autonomia. Não sabemos o que se passa lá dentro.
Você percebe o funcionamento do seu coração, pulmão, estômago o tempo todo? Você se apercebe de cada hormônio secretado?
Imagino que não, mas a dor e o alívio são sem dúvida percebidos.
É através de sensações de dor, alívio, calor, frio que o pensamento se apercebe do corpo. E é a partir dessas sensações que o comportamento é modulado.
Se algo nos causa dor uma vez, será evitado depois.
Se algo nos dá sensação de prazer, será repetido depois.
Os resultados são emoções de medo e de entusiasmo, por exemplo.
Assim, temos que contradizer Descartes, pois a mente e o corpo vão sempre estar unidos.
Quando você sente dor, é capaz de não pensar na dor, mesmo que por um instante? E consegue não pensar que está com medo ou alegria?
Nesse processo, voltando às saudosas aulas de biologia, lembre-se que o sistema nervoso e a mente que sente são responsáveis pelo comportamento. E comportamentos são os resultados das emoções.
O sistema nervoso simpático prepara o corpo para lidar com situações de perigo e emergência. Tudo ativado por entrelaçamento de hormônios e neurônios que atuam a partir do cérebro. Quando em ação esse circuito tende a despender muita energia.
O sistema nervoso parassimpático é responsável por fazer o organismo se acalmar após uma situação de emergência, desacelerando o funcionamento do sistema vegetativo. Assim, irá regular e diminuir os batimentos cardíacos, a pressão arterial, a adrenalina e o açúcar presente no sangue. Funciona acalmando o corpo que retorna a um estado emocional estável. Esse sistema também tem como função conservar a energia do organismo.
Esses dois sistemas são auto reguladores. Funcionam em colaboração para regular e equilibrar o funcionamento do sistema nervoso na sua interação com o meio ambiente em um contínuo processo de adaptação.
O comportamento adaptativo é guiado por contrastes. Mas isso requer um alvo tangível?
Especialistas da Universidade de Washington demonstram que essa necessidade de adaptação requer um objetivo definido a se conquistar ou um objetivo a se combater, senão tudo pode acabar em ansiedade desadaptativa.
O que significa isso em termos práticos?
O ser humano, através da cadeia de evolução, aprendeu a detectar a presença de sinais de perigo através de estratégias de intercambiamento de sistemas de exploração e detecção de risco e recompensa.
Também aprendeu a calibrar a reação de medo ao perigo, detectando a presença de risco iminente. Assim, quando o perigo é descartado ou resolvido, o mecanismo de estresse cessa. O sistema de auto regulação atua. Esse é um comportamento adaptativo, que é saudável e não gera ansiedade desdaptativa, que é nociva.
E quando o inimigo é intangível?
Segundo os estudos desses mesmos especialistas, há dois casos comuns quando o comportamento adaptativo falha em calibrar a detecção de riscos. Em casos após vivência de traumas (transtornos pós-traumáticos) e em casos em que as situações de risco são imprevisíveis.
Ou seja, o comportamento adaptativo do ser humano não desenvolveu meios de lidar com o imprevisto, ou com a crença no imprevisto. Lembremos que a adaptação requer um objetivo, como já dito acima.
A falha em acionar o sistema nervoso parassimpático impede a calibração do sistema simpático. As defesas falham por não ter como detectar de onde vem a ameaça, desencadeando o estágio de exaustão de estresse, ou estado de ansiedade patológica, ou desadaptativa.
E esse processo atua mesmo sem a consciência do ego, que somente sente indiretamente os efeitos fisiológicos.
Leia também: Evolução da consciência: como evoluímos
A situação em que estamos envolvidos hoje envolve incertezas. Estamos lidando com o imprevisto? Há perigo ou ameaça econômica, social e de saúde? Temos como detectar o causador da ameaça?
Seria exagerado assumir que estamos lidando com o imprevisto? E como o imprevisto causa desconforto?
Na condição de lidar com o imprevisto, há chances de termos que dar conta dos efeitos fisiológicos para afrontar todo esse estresse de adaptação. Por outro lado, o que a consciência pode ter a ver com isso?
O sistema nervoso (simpático e parassimpático) é movido por um importante circuito neuronal, responsável pelas respostas emocionais, conhecido como o sistema límbico, ou mecanismo de luta-e-fuga. É receptor dos sinais do ambiente e o executor da interação com o mesmo. Recebe as sensações do ambiente e as transforma em emoções.
Seu funcionamento é bastante complexo e envolve estruturas do hipotálamo, amigdala, hipocampo e outras estruturas inferiores e superiores que interagem de forma não hierárquica.
Os disparadores desse circuito são os neurotransmissores, como adrenalina, dopamina, GABA e serotonina, entre outros, que estão diretamente relacionados com o centro nervoso desse sistema límbico.
Esse sistema funciona por compensação: falta/ saciedade. Aquilo que não temos é também aquilo que queremos, e nos lançamos para obter o que queremos. Esses são os atributos do ego: motivação, vontade e decisão.
Quando ficamos impedidos de sair e cumprir nossas funções sociais costumeiras, estando submetidos a uma força maior, imediatamente esse circuito emocional é acionado.
E o ego?
A vontade (ego) fica represada, bloqueando o sistema de recompensa e motivação. As tomadas de decisões sofrem restrições. O mecanismo de defesa de luta-e-fuga é a saída para adaptar-se à nova situação, desde que haja com quem lutar e de quem fugir. E quando esse elemento restritivo é invisível e imensurável, esse sistema pode funcionar?
O imprevisto impede adaptação do ego, reforçando o desequilíbrio nervoso. Entende-se então que esse circuito nervoso do mecanismo do estresse e de ansiedade desadaptativa é duplamente acionado, com a restrição das funções do ego e a presença de ameaça.
O ego escolhe, através do foco de atenção, aquilo que vai à consciência. Essa é a sua função de administrador. Esse dá conta de assimilar as emoções para adaptação ao mundo, estruturando a ações e modulando a personalidade. Adaptar para o ego significa querer, poder, ter e decidir. Esse é o foco de luz que o ego coloca sobre a realidade para assimilá-la.
O ego é o centro psíquico: aquilo que assimila é o que vai à consciência.
Poderá esse centro administrador resignar-se e admitir que deve se reorientar?
Sim, desde que abra mão de suas conquistas sobre o mundo. Desde que aprenda a respeitar a natureza, admitindo conviver em colaboração com as plantas, os animais, os minerais, o ar, a água, a terra e seus frutos. E, principalmente, entrando em contato com sua natureza original que é a criatividade. Assim, poderá reconciliar-se com a natureza da qual também faz parte.
O ego pode criar um novo paradigma, reinventar-se e promover uma reorganização do auto percepção e da relação com o meio ambiente.
Mas é possível realizar essa mudança?
Certamente, desde que esteja pronto a se submeter a treino de disciplina.
Isso pede que a sua deliberação prescinda da vontade, em razão da necessidade. Há muitas maneiras de recuperar o equilíbrio do sistema nervoso e de colocar a consciência em ressonância saudável com as circunstâncias da vida, mesmo sendo essas as mais adversas.
Se o imprevisto causa desconforto, como lidamos com isso?
Há inúmeras formas de superar crises, resgatar a criatividade e entrar em contato colaborativo com a natureza.
Entre todas as alternativas, as mais urgentes são aquelas que envolvam os elementos mais essenciais: o corpo, a mente e o meio ambiente.
Porém, exigem dedicação, trabalho e entrega.
Entre tantas formas de re-conexão, as mais simples e abrangentes são as práticas de exercício s físicos, meditação, somando-se ao contato com a natureza e ao uso da imaginação.
Nas próximas publicações, essas alternativas serão abordadas com profundidade. A questão que resta é refletir sobre a necessidade de uma conexão com a essência da vida, e como fazer para manter-se em equilíbrio.
Agradeço pela sua leitura e pergunto: para você, o imprevisto causa desconforto?
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Até a próxima!
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