O simbolismo do outono é uma época criativa de transição entre polaridades: a passagem do calor para o frio; a passagem da gradual diminuição da presença da luz solar.
Em outras palavras, o outono marca um período de transição que se repete todos os anos, em ciclos.
Logo, este artigo vai tratar desta estação do ano e sugere ampliar a nossa sintonia com essa manifestação cíclica da natureza.
À medida que vinculamos conscientemente nossa consciência aos ciclos criativos da vida e da natureza, nossa compreensão de nossos próprios ciclos começa a se aprofundar.
Por isso, é importante refletir e se sintonizar com o fluxo das estações que tem especial manifestação no equinócio de outono.
Equinócio de outono
O equinócio de outono acontece todos os anos entre os dias 20 e 21 de março para o hemisfério sul e entre 20 e 21 de setembro para o hemisfério norte.
Mas o que é um equinócio?
A palavra “equinócio” vem do latim aequus (igual) e nox (noite), que significa “noite igual”, referindo-se ao dia de aproximadamente 12 horas e à noite de 12 horas.
Na verdade, o equinócio é um fenômeno astronômico que é definido como o momento em que o centro do Sol visível cruza a linha do equador. Especialmente, este fenômeno ocorre apenas em dois dias no ano: no primeiro dia do outono e no primeiro dia da primavera.
Isto é, apenas nesses dias do calendário vivenciamos exatamente 12 horas de luz e 12 horas de escuridão. Esses são momentos especiais, pois simbolizam o equilíbrio entre polaridades. Representam momentos de transição e de preparação que antecedem mudanças.
Analogamente, o equinócio é como um ponto de inflexão – uma janela de oportunidade para uma mudança.
Parte de um ciclo
O Outono é parte de um ciclo que inicia-se na estação da Primavera e termina na estação de Inverno.
Em princípio, nas culturas tradicionais e antigas os ciclos da natureza eram a base de todos os aspectos da vida, desde a alimentação, até os costumes. Estas culturas se guiavam pelos ciclos associados à natureza.
Por exemplo, no livro do I Ching, que demonstra que os elementos primordiais da natureza: fogo, terra, ar e água se combinam em ciclos distintos que configuram as estações do ano.
Na compreensão do IChing tudo o que ocorre na natureza reflete na vida do povo e norteia as suas decisões, permeando os seus conceitos de sabedoria.
Desta maneira, a sabedoria do IChing atualizada para os dias de hoje, serve como conselho para os indivíduos, além de demonstrar as tendências simbólicas dos acontecimentos em escala macrossômica.
Trovão, Vento, Calor e Terra
O IChing combina trovão, vento, calor e terra, que são imagens da natureza, com condições humanas, como colheita, alegria, cautela e recolhimento.
Primordialmente, tudo se inicia com o trovão que desperta a natureza para germinar e brotar. Este elemento da natureza é ligado ao fogo e à eletricidade e simboliza o início da Primavera.
Em seguida, vem o vento que dissolve o frio do inverno e faz com que as coisas fluam rumo a um crescimento fértil e efetivo.
Depois chega a vez do elemento Fogo, que traz o calor e visibilidade para as coisas. Assim como a luz brilhante do sol, no Verão tudo fica às claras, tomando forma definida e a natureza mostra a sua força e a sua exuberância. Este é um tempo favorável ao plantio.
Porém, quando a luz e o calor começam a diminuir, vem a época do amadurecimento dos frutos e do plantio.
Com efeito, este período é regido pela Terra que traz as dádivas da colheita, que se combinam com as alegrias do trabalho comunitário. Por analogia, é representado por um lago, onde as pessoas se reúnem em torno para descansar da colheita e gozar das suas dádivas.
De fato, este é o período do Outono, que representa a maturidade e o contentamento dos resultados do plantio.
Por fim, chega o Inverno, representado pela imagem do desfiladeiro, simbolizando uma queda de energia. Por certo, esta precisa ser poupada.
Como resultado, temos que guardar a colheita no celeiro. Efetivamente, este é o símbolo da cautela e da concentração, simbolizado pela imagem da montanha. Assim sendo, representa a quietude do Inverno, como silêncio e recolhimento.
Por outro lado, este último período do Inverno também é representado pela semente que surge para anunciar o início de um novo ciclo.
A alternância das estações do ano na cultura ocidental
Na cultura ocidental, a alternância das estações do ano também tem seus símbolos, que são representados nos mitos. Entre eles, o que melhor representa as mudanças de estações do ano é o mito de Perséfone.
Aliás, esta deusa grega é conhecida por viver em dois mundos: o mundo da luz, entre os deuses do Olimpo, e o mundo das trevas, no mundo subterrâneo de Hades. Ela vive eternamente a mudança entre mundos diversos e controversos.
Portanto, Perséfone simboliza as mudanças de estação.
Depois de raptada pelo deus das trevas, Hades, sua mãe Deméter, a deusa das plantações e das colheitas, desesperada com o paradeiro da filha, resolveu protestar e se retirou.
Isso fez com que a terra não desse mais frutos, levando à escassez de alimentos.
Entretanto, momentos antes do seu rapto, Perséfone era uma jovem feliz que dançava por entre os jardins de Demeter.
Especialmente, o que ela mais gostava era de colher flores, sendo o narciso a sua flor preferida.
O simbolismo do outono
O simbolismo do outono anuncia o início do fim.
Uma vez que sendo a estação em que o clima começa a esfriar, os animais estocam para hibernar e os agricultores se agasalham, o outono simboliza a necessidade de encontrar provisões para sustento.
De qualquer forma, assim como no IChing, as dádivas da colheita e a alegria de estar em companhia amistosa entre iguais são chaves simbólicas do outono.
Igualmente, o mesmo acontece no momento de alegria em que Perséfone colhe os narcisos em companhia de suas amigas. Da mesma forma, como na imagem de agricultores que trabalham juntos e celebram a colheita fraternalmente.
Pois, entre os que colhem os frutos não há hierarquia, todos são iguais e se alegram em compartilhar suas dádivas.
Assim sendo, esta é mais uma chave simbólica do outono: igualdade e confraternização, como no significado do equinócio: partes iguais de um todo.
Nesta chave o outono nos remete aos simbolismos da abundância, contentamento e equilíbrio.
Contudo, há um outro simbolismo que é a aceitação de que a expansividade dos dias iluminados e quentes do verão não é eterna. Esta é a segunda metade do outono, quando a estação avança para o inverno.
Desta forma, como tudo o que é bom tem começo e fim, entendemos que temos que seguir o ciclo de mudanças inevitáveis.
Consequentemente, há outro significado simbólico do outono, como maturidade, mudança, preservação e reconexão.
Carpo – a deusa do Outono
Na mitologia grega, Carpo é a deusa do outono. Ela faz parte de um grande grupo de deusas, as Horas, que são as deusas do tempo cronológico e das estações do ano.
Ou seja, a mensagem das Horas é que tudo tem o seu tempo.
Frequentemente, elas acompanhavam Afrodite e tinham a função de guardar a mansão dos Deuses no Olimpo. Há as Horas do Dias e as Horas do Ano. As últimas personificam as estações do ano, como divindades da natureza que cuidam dos ciclos da vegetação.
Curiosamente, na Grécia antiga, o período do inverno não era considerado uma estação do ano, porque era um período de inércia. Portanto, não havia um deus ou deusa para representar esta fase do ano.
Carpo e carpir
Carpo tem a ver com ‘carpir’ na língua portuguesa.
Ou seja, a palavra carpir vem do latim carpere, que deriva do grego Karpós, que significa frutos e cortar.
Sem dúvida, há uma relação da deusa com o verbo carpir, que, em português, tem dois significados distintos:
✅lamentar e lastimar-se;
✅arrancar ou retirar o mato para limpar o terreno.
Por um lado, o significado do ato de carpir está associado à terra. Em analogia com retirar, ou colher os frutos da terra, e limpar o terreno para o próximo plantio, significa cuidado com a terra.
Em contrapartida, carpir significa arrancar, como um ato rude de puxar e machucar, ou de tirar a posse de alguma coisa.
Deste modo, a imagem da deusa Carpo, como símbolo do outono, tem a ver com os significados acima.
Todavia, o significado da origem latina desta palavra é bem diferente.
No latim, o termo original é carpere, que significa saborear, desfrutar, tirar proveito de algo bom.
Igualmente, é desta palavra que vem a expressão do poeta romano Horácio:
Carpe Diem, cuja frase é:
Carpe diem quam minimum credula postero, “aproveita o dia, confiando o mínimo possível no futuro”.
Em síntese, esta é a mensagem final de Carpo, que diz que o outono é tempo de aproveitar aquilo que temos no momento!
Pois, tudo tende a mudar inexoravelmente!!
As mudáveis coisas
Nesse sentido, o outono é a época das mudáveis coisas,
conforme nos diz o poeta Fernando Pessoa.
Segundo Pessoa, o outono é comparável à sensação de coisas que mudam para além da nossa vontade e do nosso controle. Ele nos traz a imagem da resignação e da aceitação através do outono.
No entanto, há um outro poeta que viu o outono de maneira mais otimista e bucólica.
Sob este ponto de vista, John Keats fez um tributo ao outono, celebrando a sua beleza, como uma passagem que contempla a natureza transitória da vida.
Acima de tudo, para Keats o outono representa uma fusão de emoções.
Por um lado, há a alegria da beleza da natureza do outono, que amadurece os frutos e traz esperança.
Por outro lado, há a dor da transitoriedade de tudo que existe na natureza, quando os frutos e a vegetação sucumbem e definham.
Nas artes plásticas e na música
Por sua vez, nas artes plásticas e na música o outono é criativo, bem vivo e com um colorido especial.
Ademais, podemos notar nas artes o outono representado como a criatividade da mudança de cores e de ritmos. Por exemplo, é o podemos notar no entusiasmo do Outono de Vivaldi.
Num primeiro momento, o outono na sua música possui um ritmo alegre e efusivo, como os frutos maduros e a abundância da colheita do outono.
Contudo, num segundo momento, o ritmo desacelera e se torna mais introspectivo, mas mantém o otimismo, finalizando com um ritmo forte e assertivo.
Seja como for, vale a pena viver o outono criativamente, em sua plena manifestação, através da contemplação da natureza, da poesia, das artes e da música.
Em suma, vamos aproveitar o que ele tem de melhor e de criativo.
Jung associou as fases da vida com os ciclos da natureza, nos lembrando que:
“(…) Precisamente ao meio-dia, o Sol começa a declinar e este declínio significa uma inversão de todos os valores e ideais cultivados durante a manhã. O Sol torna-se, então, contraditório consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e por fim se extinguem.”
Afinal, este momento não significa um declínio, mas sim uma inversão no direcionamento dos nossos propósitos.
Consequentemente, podemos ser mais criativos e utilizar tudo o que cultivamos quando o sol estava no pico para criar uma nova perspectiva de vida.
Então, viva intensamente e criativamente esta estação.
Sinta plenamente o seu brilho luminoso, os seus odores, os seus sabores e a sua peculiar magia.
Conectando-se com as qualidades do outono, você conseguirá ampliar a sua sintonia com os ciclos da natureza e com os seus próprios ciclos de vida.
Carpe Diem!
Abraço,
Monica
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