O simbolismo da Primavera é um momento de transição entre polaridades: a passagem do frio para o calor e o gradual aumento da presença da luz solar.
Assim, este artigo vai tratar desta estação do ano, sugerindo ampliar a nossa sintonia com o simbolismo dessa transição que a primavera nos traz.
À medida que nos vinculamos conscientemente com os ciclos da natureza, a compreensão de nossos próprios ciclos começa a se aprofundar.
Por isso, é importante refletir e se sintonizar com o fluxo das estações que tem especial manifestação no equinócio de primavera.
Equinócio de Primavera
O equinócio de primavera acontece todos os anos entre os dias 21 e 22 de setembro no hemisfério sul.
Analogamente, o equinócio é um ponto estratégico, ou ponto Vernal, que marca uma mudança: a passagem do sol para o sul da linha do Equador, passando a iluminar mais o hemisfério sul do planeta.
Como consequência, neste dia vivenciamos exatamente 12 horas de luz e 12 horas de escuridão. O equinócio significa um momento especial, pois simboliza o equilíbrio entre polaridades.
Simbolicamente, representa uma passagem, uma transição, ou simplesmente mudanças.
Parte de um ciclo
O movimento do sol faz parte de um ciclo que inicia-se na estação da Primavera e termina na estação de Inverno.
Em princípio, todas as manifestações de vida seguem ciclos. Por isso, as culturas mais antigas se guiavam pelos ciclos associados à natureza.
Por exemplo, no livro do I Ching, os elementos primordiais da natureza: fogo, terra, ar e água se combinam em ciclos distintos que configuram as estações do ano.
Da mesma maneira, desde a Grécia antiga, o ser humano se posiciona em relação com o cosmos, ou seja, com a natureza.
Isso quer dizer que tudo o que ocorre na natureza tem uma contrapartida na vida de cada indivíduo (em maior ou em menor grau).
Dessa forma, fenômenos da natureza seriam considerados macrocósmicos, tal como a ação do sol, que expressa de maneira figurada qualidades de calor, luz, fonte de vida etc. Por conseguinte, essas qualidades não têm sentido literal, sendo alegorias de tendências simbólicas.
Trovão, Vento, Calor
A sabedoria antiga evoca o trovão, o vento e o calor, como fenômenos da natureza que espelham os símbolos da vida. Efetivamente, é como se olhássemos para tudo o que está à nossa volta como um espelho.
Isto é, há uma analogia entre as coisas que acontecem fora e as coisas que acontecem dentro de cada um de nós.
Como por exemplo, o livro do IChing (ou o livro das mutações) associa as imagens da natureza com condições humanas, como colheita, alegria, cautela e recolhimento.
Segundo a sabedoria do IChing, tudo se inicia com o trovão que desperta a natureza para germinar e brotar. Pois a sua ação pode ser análoga à eletricidade que desperta o início da Primavera.
Em seguida, vem o Vento que dissolve o frio do inverno e faz com que as coisas fluam rumo a um crescimento fértil e efetivo.
Depois chega a vez do elemento Fogo, que traz calor e visibilidade para as coisas, assim como a luz brilhante do sol.
À medida que a luminosidade do sol aumenta e nos aproximamos do Verão tudo vai se mostrando às claras e tomando formas definidas. Em contrapartida, a natureza mostra a sua força e a sua exuberância.
Tal importância do ciclo das estações talvez só possa ser plenamente compreendida por aqueles que vivem da terra.
Para um leitor urbano do século XXI, a passagem das estações pode ter poucas consequências imediatas, além de uma mudança de guarda-roupa.
Contudo, para um agricultor ou qualquer uma que viva da ou perto da natureza, a alternância das estações é vital e representa a própria sobrevivência. Pois, a chegada da chuva da primavera promete a colheita do verão.
A alternância das estações do ano na cultura ocidental
Na cultura ocidental, a alternância das estações do ano também tem seus símbolos, que são representados nos mitos.
Entre eles, o que melhor representa a Primavera é o mito de Adônis e Afrodite.
É um símbolo do amor que floresce, morre e renasce.
Assim, o mito conta uma história de amor romântico, como alegoria da emergência da força vital na primavera. A sua trama narra a disputa do amor de Adônis por duas belas deusas: Afrodite ( a deusa do prazer, da beleza e da vida) e Perséfone (a deusa do exílio das profundezas e da morte).
A disputa entre as duas deusas foi resolvida por Zeus, que decretou que Adonis deveria permanecer com Perséfone no submundo por uma parte do ano, e com Afrodite no mundo superior por outra parte.
Em vista disso, o período que Adônis passa no submundo corresponde ao inverno. Mas quando ele volta à Terra, as árvores florescem e segue-se a primavera e o verão.
Em outras palavras, Adonis espera a chegada da primavera para trazer a vitalidade de volta à terra.
Em essência, o mito simboliza uma drástica alternância entre decadência e renovação, que nos remete à metáfora da fertilidade e do renascimento anual da natureza: as chuvas da primavera chamam Adonis de volta à vida!
Aliás, tanto a primavera quanto o outono marcam pontos vernais. Por isso ambos carregam o símbolo da alternância de estações, onde Perséfone é a representante central.
O simbolismo da Primavera
O simbolismo da Primavera anuncia um novo início.
Assim sendo, as imagens simbólicas da estação da primavera são:
recomeço, renovação e, por que não amor!
Então, deixemos que o seu representante mais presente, que é o pássaro mais melodioso da estação, venha cantar o símbolo da Primavera.
Todos os anos os Sabiás marcam presença para anunciar a primavera. Chegam logo no final do inverno ansiosos e esfuziantes para anunciar a nova estação.
A propósito, o seu canto sinaliza a própria mudança entre estações e o seu simbolismo. Pois a insistente e exuberante cantoria do macho serve para atrair uma companheira e, assim, poder passar ao seu lado os meses mais quentes e ensolarados e procriar.
Quem já não foi surpreendido em plena madrugada com o canto de um sabiá?!
Quando o ouvimos já sabemos que a Primavera está chegando!
Os símbolos da Primavera nas Artes
Nas Artes, os símbolos da Primavera se fazem presente, demonstrando sua beleza, delicadeza, urgência e sensualidade.
Tanto nas artes plásticas, como na música vemos claramente esses simbolismos.
Certamente, nas artes plásticas, a primeira pintura que nos vem à mente é a Primavera de Sandro Botticelli, onde encontramos a figura majestosa de Vênus-Afrodite.
Além de Botticelli, o mito de Adônis e Afrodite foi pintado muitas vezes por outro grande artista italiano, Tiziano (em português: Ticiano). Na verdade, há cerca de trinta versões deste mito em obras deste mesmo pintor do século XVI.
As chaves simbólicas da primavera aparecem nas obras de arte
As chaves simbólicas da primavera aparecem nessas obras de arte, mesmo tendo esses dois pintores demonstrado qualidades muito distintas.
Ou seja, Botticelli e Ticiano representaram os símbolos da primavera de maneira diferente, mas complementar.
O estilo de Ticiano na pintura “Adônis e Vênus” demonstra uma vivacidade urgente e dinâmica.
Ao olhar a imagem como um todo, percebe-se uma atmosfera densa, concentrada e dinâmica.
Metaforicamente, a imagem lembra uma atmosfera de calor, com nuvens que anunciam uma tempestade iminente. Reparem que as pinceladas são soltas e enérgicas, dando à pintura uma sensação de espontaneidade e movimento.
Em algumas áreas, o artista chegou a pintar com o dedo.
Sem dúvida, pintar com o dedo disponibiliza mais agilidade para aplicar as tintas. Acima de tudo conduz força e flexibilidade para dar movimento, jogo de luz e realismo à pintura. Aliás, Ticiano ficou famoso por isso.
Detalhadamente a cena mostra Afrodite passional, que se agarra a Adonis, implorando para que ele não saia para caçar. Seus cães puxam as coleiras, ecoando sua impaciência.
Além disso, o pintor usou cores ricas, destaques cintilantes e uma paisagem exuberante para criar o humor ansioso e pungente da pintura.
Em suma, essas qualidades da pintura de Ticiano de dinamismo, sensualidade, vivacidade, urgência e cores cintilantes são atributos da estação primaveril.
A Primavera, o triunfo da natureza
Por outro lado, Botticelli representa a primavera como ‘o triunfo da natureza’. Na sua pintura há uma atmosfera de encanto, onde os personagens são leves e quase flutuam, parecendo suspensos no tempo e no espaço.
A começar pela figura da rainha da Primavera (no centro do quadro), onde se vê a bela deusa Afrodite (ou Vênus), com o Cupido acima. Seu semblante é tranquilo, seu olhar é compassivo e acolhedor. Parece que nos convida para a sua festa, enquanto o Cupido acima se prepara para atirar as suas poderosas flechas afrodisíacas.
Nessa pintura, a natureza está presente em seus mínimos detalhes, retratando fielmente plantas e flores típicas da primavera na região de Florença.
Olhando a pintura em seu todo, vemos que denota equilíbrio geométrico, que simboliza o equinócio.
Embora até hoje a interpretação da obra permaneça controversa e cheia de mistérios, há um consenso sobre a sua intenção de exaltar a natureza, como um hino à sua beleza.
Em síntese, a primavera nessa pintura de Botticelli é análoga ao reino de Vênus-Afrodite, na sua versão de beleza, harmonia e equilíbrio ideais.
Um Outro simbolismo da Primavera
Contudo, podemos ir um pouco mais além, observando um outro simbolismo da primavera.
Dessa vez por um ângulo da versão mais religiosa das artes. Nesse caso, vamos à enigmática obra: A “Ressurreição de Cristo” (que está no museu de arte de São Paulo).
Indubitavelmente, essa é uma obra do Renascimento italiano. Porém, há muita polêmica sobre quem seria seu autor. No entanto, o museu a atribui a Raffaello de Sanzio.
De qualquer maneira, o que nos interessa é observar e apreciar a pintura.
Por um lado, o espaço alude a uma perspectiva centralizada, que leva ao infinito, onde temos a distribuição equilibrada dos personagens, como no quadro da Primavera.
Por outro lado, as cores e os gestos são intensos e urgentes como no quadro de “Vênus e Adonis”.
A cena é dramática e urgente, como em Ticiano, mas a maior parte dos personagens mostra semblantes tranquilos e compassivos, como em Botticelli.
Como vemos, esse emblemático símbolo da ressurreição nos faz experimentar os opostos. Com certeza pode simbolizar a estação da Primavera, com sua abertura à natureza, sua vivacidade de cores e a promessa de um devir benfazejo, que é o tema do renascer e do Renascimento.
As artes musicais também homenageiam a estação
Além disso, as artes musicais também homenageiam a estação da renovação. Não poderíamos nos esquecer da Primavera de Antonio Vivaldi. Porque este concerto já inaugura o seu primeiro movimento aludindo à efervescência, exuberância e o entusiasmo da estação.
Mas Vivaldi não está sozinho nessa. Beethoven também nos toca com a sua versão da estação florida. A sua sonata, conhecida como ‘Primavera’, talvez seja menos extasiante que a de Vivaldi. Porém traz o símbolo da beleza suave e harmoniosa da nova estação.
Ainda sem falar no romantismo das castanhas em flor, do coração que canta, do abraço caloroso e do encanto da Primavera cantado em ‘April in Paris’. Especialmente quando nas vozes de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong!
Resumidamente, a Primavera, por ser um ponto cósmico de equilíbrio, simboliza a harmonia, o equilíbrio e a suavidade que o belo proporciona. Complementarmente, representa a urgência da alternância, da vivacidade e da exuberância com que a beleza da natureza conduz a sensualidade dos instintos.
Seja como for, vale a pena viver a inspiração criativa da primavera em sua plena manifestação de renovação, através da contemplação da natureza e das artes!
O simbolismo das artes enriquece a vida
O simbolismo cósmico das artes enriquece a vida. Por isso é muito salutar darmos atenção ao simbolismo da natureza, através das artes.
Psicologicamente, quando nos conectamos com as imagens simbólicas, criamos metáforas. O metaforizar fertiliza a mente e frutifica a vida.
Sempre a linguagem simbólica nos faz confrontar a tensão dos opostos, que convoca o movimento. Pois, os mitos sempre nos mostram dois lados de uma mesma moeda.
Segundo o psicólogo junguiano James Hollis, os mitos e os deuses são muito significativos. Pois, são análogos à natureza e nos abrem esse universo do simbolismo metafórico. Assim, dão significado à vida e vivificam a psique, porque isso convoca um chamamento.
Segundo ele, as metáforas dos mitos movimentam a psique, o fluxo sanguíneo e os ritmos do coração. Assim, Hollis demonstra que devemos honrar a obra dos deuses e da natureza através dos mitos para recuperar a profundidade e a perspectiva dos ciclos que celebram a vida.
A primavera é uma época de celebrar
A primavera é uma época de celebrar a vida nova, o despertar, a fertilidade.
Nesta época do ano, o dia e a noite têm a mesma duração, o que o torna um ótimo momento para fazer uma revisão de vida e garantir que você esteja tão “em equilíbrio” quanto a natureza.
Antes que o agitado verão e a temporada de férias comecem, aproveite esta oportunidade para dar uma olhada honesta em todas as áreas da sua vida e encontrar o máximo de equilíbrio possível.
Em suma, vamos aproveitar o que a Primavera tem de melhor e de criativo.
Sobretudo, aproveitando o melhor dessa energia renovadora e purificadora, que já está no ar.
Conectando-se com as qualidades desta estação, você conseguirá ampliar a sua sintonia com os ciclos da natureza e com os seus próprios ciclos de vida.
Portanto, sem mais delongas, este é o momento perfeito para viver criativamente, sentindo plenamente o brilho desta estação luminosa:
com os seus odores, os seus sabores e a sua peculiar magia.
Abraço,
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