Os antepassados exercem influência na psique?
Sim, somos herdeiros de um legado psíquico que vai muito além da nossa condição biológica.
Para responder a esta indagação, este artigo traz esclarecimentos sobre como as experiências de nossos antepassados influenciam nossos comportamentos, a nossa psique e até mesmo nossas vidas.
À luz da psicologia pode-se demonstrar como funcionam tais influências e o quanto elas podem também estar presentes na maneira como nos expressamos criativamente.
Acima de tudo, você verá como podemos redimensionar traumas e bloqueios herdados a partir do uso da linguagem criativa na arteterapia.
A influência dos antepassados na genética
Hoje em dia, embora pouco ainda se fale sobre a influência dos antepassados na psique,
muito se conhece sobre a influência genética sobre alguns tipos de comportamentos, através da genética molecular.
Consequentemente a psicologia se beneficia das pesquisas genéticas.
Por um lado, os psicólogos, em geral, aceitam a influência genética como fator de predisposição a certos comportamentos.
Por outro lado, há uma certa prevenção contra a tendência determinista que isso pode acarretar.
De qualquer forma, há ainda algumas linhas psicológicas que entendem que essa predisposição acontece a nível mental.
Segundo esta visão, a mente compartilha elementos em comum entre pessoas de um mesmo grupo social ou familiar.
Essa ideia de compartilhamento mental já fazia parte de crenças de culturas antigas. Muitas delas mantêm essas crenças até hoje.
Hereditariedade na cultura ancestral
Desde tempos remotos a importância dos antepassados é emblemática em diversas culturas ocidentais e orientais. Esse é o caso das milenares culturas japonesa e chinesa, por exemplo.
Já no ocidente, os antepassados ficaram completamente esquecidos.
Porém, temos que considerar que a cultura ocidental descende da antiga cultura greco-romana. Gregos, romanos e etruscos mantinham respeito aos antepassados e a eles rendiam cultos.
Os romanos e etruscos rendiam homenagem aos antepassados de forma singela e íntima. Cada casa tinha o seu altar, onde se faziam cultos aos deuses e antepassados.
Na Grécia antiga, por sua vez, acreditava-se que um crime cometido por um antepassado seria carregado como expiação sobre várias gerações futuras.
A culpa ancestral
A ideia da culpa ancestral está presente desde tempos remotos nas tradições dos povos da antiguidade.
O ponto principal deste conceito baseia-se no conceito de unidade. Em outras palavras, cada grupo é visto como um único corpo.
Assim uma cidade ou uma família é tida como um único ser vivente, cuja importância é preponderante sobre os indivíduos que o compõem.
Esta é sobretudo uma visão sistêmica que vê o todo, como maior que as suas partes. Embora a análise das partes permita compreender o todo.
A visão sistêmica familiar
Similarmente há também na visão sistêmica, o conceito de sistema familiar.
Bert Hellinger foi quem introduziu esse termo, partindo do princípio que “sistema familiar” é um esquema de vida em grupo, no qual todos fazem parte.
Efetivamente em um sistema familiar, as funções de cada membro são inter-relacionais, e o todo só se torna completo quando todos os membros podem ser incluídos, reconhecidos e inseridos.
Mesmo aquele familiar mais indesejável deve ser reconhecido e representado em sua dignidade como membro da família.
Essa ideia de pertencimento inclui todos aqueles que vieram antes e que vivem agora fazem parte desse grupo.
Desse modo os nossos antepassados, como os avós, bisavós, trisavós, etc pertencem ao grupo em que estamos inseridos, mesmo que já estejam mortos.
Ultimamente, o método conhecido como Constelação Sistêmica Familiar é uma técnica alternativa muito difundida para a resolução de conflitos nas esferas terapêuticas e jurídicas.
Os antepassados na psicologia
Atualmente a psicologia retoma o tema da importância dos antepassados, através da constatação de que o compartilhamento mental é um fenômeno que tem se mostrado recorrente.
Um dos primeiros a admitir a hereditariedade psíquica foi Sigmund Freud. Porém, a sua concepção de disposições herdadas, ou ‘resíduos ancestrais’, era mais voltada à evolução do homem como espécie animal.
Hoje em dia a psicanálise entende esta influência hereditária como um fenômeno de transmissão psíquica geracional.
Os psicanalistas entendem que a família é o grupo mais suscetível ao fenômeno de transmissão psíquica.
Segundo eles, isso pode ocorrer entre gerações que convivem e também entre gerações antepassadas.
Sendo assim, as relações entre familiares, juntamente com os eventos que vivenciaram e afetaram um indivíduo da família, ou mesmo a família como um todo, estão em jogo.
Com efeito, esse material psíquico da herança genealógica é inconsciente. Por este motivo não é simbolizado.
Como resultado, apresenta lacunas, elementos encriptados, transmitidos por várias gerações.
Como exemplo temos acontecimentos traumáticos sofridos por um grupo familiar, tais como as doenças, as mortes, os crimes, as violências, os reveses sociais e rupturas geracionais,
Tais experiências tendem a se manifestar por comportamentos indesejáveis ou mecanismos psíquicos de defesas dos indivíduos.
Todavia se as heranças psíquicas não forem assumidas, ou processadas pela família, continuaram a ser transmitidas.
Consecutivamente tais transmissões se manifestam através de lacunas na história familiar, como proibições, segredos, recalcamentos e esquecimentos.
Desse modo essas lacunas provocam novos eventos traumáticos e rupturas recorrentes. Isso tende a se repetir em ao menos um membro de cada geração.
Na verdade, todos esses efeitos são incompreensíveis e irreconhecíveis na história da família de imediato.
Psicodrama e as experiências compartilhadas
A abordagem do Psicodrama, por sua vez, entende que questões psíquicas e subjetivas são compartilhadas entre todas as pessoas que convivem (independentemente de constituírem família ou não).
Dessa forma há fatos que são conscientemente compartilhados, como preferências e histórias de vida em comum.
Por outro lado, as experiências traumáticas esquecidas, encobertas, ou mesmo desconhecidas da história de vida de cada um tendem a influenciar as pessoas que compartilham a mesma convivência.
Efetivamente, essa é uma influência contínua e subliminar que condiciona as pessoas e os seus relacionamentos sem que cada um se dê conta.
Por esta razão, as questões mal resolvidas de pessoas de um grupo, estejam elas presentes ou não, tendem a influenciar todos os integrantes desse grupo em âmbito atemporal e não-espacial.
Isto é o que explica o Dr. Jacob Moreno, criador da técnica psicoterápica do psicodrama
Os antepassados na psicologia analítica
Na Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung concorda com o fenômeno da transmissão psíquica e o reconhece como fenômeno atávico.
Desta forma entende que os conflitos vividos e não resolvidos dos antepassados são continuados, mediante a um prolongamento das gerações através da vivência de cada indivíduo.
Segundo Jung, a psique transmite e obedece ao fluxo da vida. Este, por sua vez, é um veio que passa de geração em geração, até que um núcleo familiar, ou um indivíduo da família atualize o conflito e o resolva.
Em sua obra, o desenvolvimento da personalidade, Jung demonstra a psique da criança sob a influência do núcleo familiar.
Para ele, aquilo que foi escondido ou negado por um familiar transgeracional é o que mais se faz presente nas gerações mais recentes.
“Via de regra, o fator que atua psiquicamente de um modo mais intenso sobre a criança é a vida que os pais ou antepassados não viveram.” Jung, Carl G. (grifo meu)
Em outras palavras, aquilo que falta, que é negado ou negligenciado, é o que mais recorrentemente gera conflitos e, às vezes, traumas, transmitidos entre gerações.
Acima de tudo, o inconsciente, na psicologia junguiana, guarda e retém imagens, que permanecem silenciosas, como coisas que sentimos incomodar, mas não conseguimos nomear.
Por isso o que falta na relação de um grupo é algo que permanece inconsciente e latente na psique de todos os seus participantes presentes ou não.
Visto isto é importante tomar consciência daquilo que jaz no inconsciente de uma família.
Somente assim os nós ancestrais serão desfeitos e os sintomas conflitivos resolvidos.
Pois o propósito da atividade da consciência consiste em compreender e ser capaz de comunicar as percepções inconscientes.
Contudo, para alcançarmos o que repousa no inconsciente teremos que buscar recursos através da imaginação e das expressões criativas.
Transmissão psíquica transgeracional nas expressões criativas
As atividades expressivas criativas são recursos da arteterapia.
Desta maneira a aplicação dessas atividades se dá com o objetivo de levar a pessoa a representar uma emoção, um sentimento através de produções criativas manuais e visuais.
Através da utilização de recursos arteterapêuticos, o indivíduo encontra condições de expressar as relações funcionais que existem entre os atuais membros de uma família, ou grupo de convivência.
No caso de transmissão psíquica transgeracional, a aplicação das atividades arteterapêuticas segue uma abordagem sistêmica. Primordialmente, essa abordagem se concentra na representação visual (através de desenho, pintura, escultura, etc.) da família, ou grupo, incluindo o próprio criador da tarefa.
Sobretudo, essa atividade aborda representações de tempos e espaços diversos, conforme o histórico da queixa trazida pelo cliente.
Redimensionamento de papéis e de fatos
Isso permite o redimensionamento objetivo dos papéis e de fatos de cada um dentro de um grupo, em contextos e momentos específicos na vida do cliente.
Além disso, o ato de desenhar ou produzir um material de maneira livre e criativa permite a expressão e revelação de emoções e sentimentos, em momentos e contextos específicos.
Consecutivamente à medida que uma pessoa constrói uma representação de uma situação familiar e seus participantes, resgata memórias e sentimentos vinculados a certas situações, pessoas e momentos de vida.
Por outro lado, muitas associações mnemônicas, cognitivas e emocionais podem ser feitas com relação a outros membros da família.
Como por exemplo, ao desenhar uma pessoa mais velha da família pode lhe trazer uma ideia de ‘pessoa cansada porque trabalha muito’.
Isso lhe faz lembrar uma fala da sua avó, dizendo que o seu pai (bisavô de quem desenha) estava sempre cansado porque trabalhava muito.
Por sua vez, essa lembrança lhe recorda que a sua avó dizia que tinha medo de perturbar o pai, porque ele podia se zangar facilmente quando estava cansado. Como resultado, quando ele estava presente, ninguém conversava.
Então uma lembrança aparentemente tão casual pode lhe despertar o reconhecimento de que você (ou alguém da sua família) está coincidentemente se comportando como o seu bisavô hoje (sem nenhum motivo aparente).
Por causa disso, o diálogo entre as pessoas está bloqueado no meio da família atualmente.
Sendo assim, o bloqueio era um comportamento e uma dinâmica familiar, que, embora vividos por outras pessoas da família (mesmo distantes no espaço e no tempo), ainda influenciam aquela família no presente.
Ressignificando a influência dos antepassados na psique – abordagem arteterapêutica
Por fim, a abordagem arteterapêutica trouxe à consciência todo esse conteúdo que explica o bloqueio.
Como se vê, as expressões criativas na arteterapia, através das imagens, manifestam aquilo que as palavras sozinhas não conseguem expressar. Isso é o resultado de uma conscientização de bloqueios que estavam no inconsciente grupal.
Portanto tais manifestações criativas nos dão a capacidade de simbolizar e ressignificar influências ancestrais e sentimentos não acessíveis através da linguagem verbal.
A partir disso, a linguagem criativa na arteterapia consegue atualizar conflitos transgeracionais, a serem resolvidos para permitir o restabelecimento da saúde das relações do grupo e de cada integrante.
Espero que este artigo tenha sido útil para alguns esclarecimentos sobre a influência de nossas heranças psíquicas e como a arteterapia pode conduzir à simbolização delas.
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Abraço,
Monica
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